RÁDIO CLUBE MIRIM: SUAS ORIGENS


Reportagem de Dabliú Pimentel

Nas domingueiras manhãs, nos idos de 1960, o alegre Rádio Clube Mirim, apresentado pelo inigualável Dr. José Eduardo Catalano, era a coqueluche da época. 

A sua abertura, uma alegre melodia, que fora composta pela Dona Olímpia Silveira Figliolia — ou simplesmente a Dona Linda —, era executava em um piano e ouvida ao longe, entusiasticamente cantada por todos:

“Criança bonita
E alegre, assim,
Gosta do Programa
Radio Clube Mirim”

Posteriormente o comando musical do programa ficou a cargo do não menos brilhante Maestro Mário Nelli. Mas, naquele tempo encantado, eu, com 9 anos para dez, comecei a trabalhar! Lembro-me que a Dona Maria Lúcia Luchetti um dia adentrou a sala de aula (salvo engano 3º ano primário, Dona Odila Dias Andreolli era a minha professora) e disse:

— Preciso de um menino para trabalhar comigo. Alguém se interessa?

Imediatamente levantei a mão e estava contratado. Não me recordo quanto ganhava, só sei que foi o meu primeiro emprego. Fui trabalhar para a Dona Maria Lúcia, transportando pesada cesta de produtos vindos da fazenda (naquele tempo não existia esse famigerado Estatuto da Criança), trazidos pelo Rapetti, que fazia a linha de Bernardino, Sodrélia e Santa Cruz, passando pela Fazenda das Luchettis, de onde a Dona Branca enviava farto cesto de produtos ali produzidos às irmãs na cidade, Dona Maria Lucia e Dora.

Assim aos domingos eu, antes de ir ao Clube dos Vinte, no imperdível Programa Rádio Clube Mirim, varria toda a cozinha e passava escovão na sala, daquele prédio que fica em frente ao antigo Grupo Escolar. O Grupo Escolar dos coqueiros, como assim batizava, onde está escrito com letras retas “Grupo Escolar” e dá a impressão de ser “Gaupo Escolaa”. Daquele local, às pressas, saía correndo em direção ao Clube dos Vinte onde, às 9h30 iniciava o esperado Radio Clube Mirim. Normalmente chegava ofegante e procurava logo a minha mesa, que ficava do lado esquerdo de quem entrava no salão do clube, na segunda fileira, bem lá na frente!

Dividi-a com a Ana Maria Manfrim, ainda menina, da mesma idade que eu, e recordo-me que mais linda ela ficava, com aquele vestido branco de lese a contrastar com os seus cabelos negros e lisos, presos com fita que terminava em um grande laço, um encanto de pessoa! Com seu jeitinho tímido, traduzido em seu sorriso, mais tímido ainda, ornado por duas covinhas que, timidamente graciosas, se faziam presentes a cada sorrir, adornava a minha, ou melhor dizendo, a nossa mesa. Existem coisas inexplicáveis e que acontecem num momento e se perpetuam no tempo. 

Lembro-me que foi ali, no Rádio Clube Mirim, que descobri que a Ana Maria fazia aniversário um dia após o meu, e nunca mais esqueci. Até hoje, quando chega 24 de junho, meu aniversário, sempre me vem à mente:

— Amanhã, 25, é dia do aniversário da Ana Maria!

Eram frequentadores assíduos do programa a Márcia Valim Camarinha, Neison Paulo Rios, a Cleidinéia Garcia, Josué Camarinha, Maria Cecília de Paula, Cláudio Santos, José Roberto Cunha, Miguel Abeche, Zé do Cavaquinho, Selma Domingues e muitos outros que agora não me vêm à memória.

Sei que o Neison era o grande galã e ídolo do programa, cantando a linda canção “Teus Olhos”, que dizia assim:

— Teus olhos, quando estão a brilhar, parecem uma noite de luar quando estou a cantar e você a chorar, etc.

A Selma Domingues, linda menina, de cor morena e olhos de mel e voz ainda mais linda que ela própria. Era filha do seu Bento, salvo engano mecânico e, nas horas de folga, consertava armas e fazia pios para pássaros. Ficou famoso pela sua criatividade na montagem de lindos presépios mecanizados à época do Natal. Foi o responsável pela montagem do presépio na casa da Dona Nena do Betão, franqueado ao público à época natalina.

A Selma tinha um irmão, que agora me foge o nome, que tocava gaita maravilhosamente bem! Eram ela e ele uma das atrações do programa, juntamente com o Zé do Cavaquinho, que encantava o público com o seu jeitinho de caipira!

O programa infantil era realmente um espetáculo, encantador e animado: gincanas, jogos e muitas premiações para a molecada. Era algo inusitado e talvez único na região. Por muito e muito tempo animou os domingos do meu inesquecível tempo de criança. 

Lembro-me que começava logo após a missa das 8:00 h da antiga Matriz de São Sebastião, aquela com torre, relógio e sino, que nunca devia ter sido destruída, marco da nossa fé. Dali saíamos correndo para o Clube dos Vinte para delirarmos e nos deliciarmos com aqueles momentos mágicos do Rádio clube Mirim.

Hoje, lamentavelmente, já não existe iniciativa como esta! Os meninos daquela época cresceram, os adultos envelheceram e só restou uma saudade linda e longínqua. Uma suave lembrança na memória de muitos! Lembrança traduzida e presente no brilho dos olhos da menina, na canção cantada pelo Neison; no solo triste da gaita do irmão da Selma; na graça infantil do Zé do Cavaquinho; na voz melodiosa da Selma a rimar, com o seu lindo olhar cor de mel, ou talvez na covinha tímida do sorriso de Ana Maria. 

E assim, como num lindo sonho, tudo passou. A Santa Cruz diferente ficou lá atrás, como se fora um resquício de saudade a brincar com os nossos sentimentos e a felicidade, uma criança feliz que, distraidamente distraída, ainda pensa estar no Rádio Clube Mirim, junto a tantas outras, em uma manhã de domingo, em um tempo que todos nós éramos felizes — e se sabíamos ou não, pouco importava.


Reportagem de Dabliú Pimentel
Jornal - O Debate, Caderno D
Santa Cruz do Rio Pardo

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