VERMELHO X AZUL


Dos costumes santa-cruzenses, talvez nenhum seja mais marcante do que a dos extremos políticos. Esses extremos eram fortíssimos nos anos 1960 e os seus lastros ou rastros talvez permaneçam até hoje na cabeça das novas gerações, oriundas dos grupos e das famílias antagônicos.

A lógica do antagonismo praticamente dividia a cidade em duas, bipolarmente. Igreja dos vermelhos; igreja dos azuis. Locais de compra dos azuis; locais de compra dos vermelhos. Clube dos vermelhos (Clube dos Vinte); Clube dos Azuis (Icaiçara Clube). Bar dos vermelhos; bar dos azuis. Barbeiro dos azuis; barbeiro dos vermelhos. Casamentos permitidos entre as famílias dos vermelhos; casamentos permitidos pelas famílias dos azuis. E assim por diante. Essa lógica estava vinculada aos partidos políticos da época, cujos nomes me escapam neste momento. 

Essa lógica era bem mais nítida em épocas de eleições, quando as famílias visivelmente assumiam as suas cores e lançavam os seus candidatos. As fotos da época apontam quem era quem, quem apoiava quem, quem era antagônico a quem, etc. Não chegava a ocorrer o chamado "ódio étnico", mas algumas situações de briga, altercação e/ou fuxico maldoso em muito se aproximavam desse tipo de ódio. 

Tal costume podia ser tomado como uma tradição de Santa Cruz do Rio Pardo. E passava de pai para filho, tal como a escolha do time de futebol, reconfigurando mais fortemente e continuamente a lógica da separação. Dessa forma, pertencer a determinada família, frequentar determinados locais, dançar num clube social específico já eram sinais da cor do sujeito: ou vermelho ou azul. Como o Emi Eni Sete era contratado pelo Clube dos Vinte, todos os seus integrantes eram, por força dessa tradição, taxados de vermelhos...

Não posso afirmar se essa divisão estanque foi, era ou ainda é boa para o desenvolvimento do município. Numa avaliação mais geral, fundada na história local, julgo que a cidade seria outra, bem mais desenvolvida, caso não fosse essa herança quase "sanguínea" - acho que ela permanece até hoje, com a destruição dos avanços dos governos anteriores (de uma cor) e o eterno recomeçar dos projetos e programas (de outra cor). 

Ezequiel, guitarrista do EMI ENI SETE

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