SANTA CRUZ DAS SERENATAS


Das muitas memórias que guardo da Santa Cruz do Rio Pardo de 1960, a das serenatas é uma das mais fortes e permanentes. Isto porque eu, por saber tocar violão, era requisitado para acompanhar os amigos apaixonados - ou apaixonando-se - pelas madrugadas afora. 

Era terminar a apresentação do Conjunto Mário Nelli ou do Emi Eni Sete ali pelas duas da manhã e então começar a "via sacra" junto às janelas das amadas. 

O ritual era mais ou menos o seguinte: um rápido ensaio na Praça do Jardim para sequenciar as canções e achar os tons e, depois, seguir silenciosamente para as casas das garotas e assim começar a cantoria. 

As músicas eram cantadas por uma, duas ou três pessoas, geralmente em uníssono, pois quase ninguém sabia fazer as vozes diferenciadas, a não ser muito raramente. Por vezes, colhíamos flores dos jardins para deixar na janela da casa visitada. E legal mesmo era quando o dono da casa se levantava, abria a porta ainda de pijama e nos servia uma cervejinha ou uma "cuba libre", bebida famosa naqueles tempos. 

Havia algumas músicas que eram "certeza" de serem cantadas: Teus Olhos, Eu sei que vou te amar, Greenfields, Roberta, Nossa Canção, Meus tempos de criança, Molambo, Como é grande o meu amor por você e Yo chi amo solo te. Composições de Lupicínio Rodrigues, Nelson Gonçalves e Noel Rosa também entravam no repertório, como Cadeira Vazia, Vingança, Último Desejo, Três Apitos, Naquela Mesa, Meu Vício é Você, A Volta do Boêmio, etc. E algumas eram soladas ao violão nos entremeios: Romance de Amor, Abismo de Rosas, Malagueña, etc.

Certa vez apareceu um sujeito "de fora", cujo nome me escapa, querendo ardentemente fazer uma serenata para uma menina que morava nas adjacências do Jardim. Nosso grupinho perguntou se ele sabia cantar. Ele disse que sim, mas não quis ensaiar; dizia que a música viria na hora, ao sabor da inspiração... 

Pois bem, lá fomos nós e começamos a serenata com solos de violão. Até que me cansei de tocar sozinho e pedi insistentemente que ele começasse a cantar as músicas que sabia. Falando baixinho, o desgraçado informou que não sabia cantar e era desafinado, mas sabia, isto sim, declamar e me pediu uma música de fundo. Eu repeti nas cordas o "Romance de Amor"; ele então pulou o muro do jardim frontal da casa, colheu um punhado de margaridas brancas e deu início à seguinte declamação:

- Fulana de Tal, tenho aqui nas minhas mãos um buquê de brancas margaridas que roubei agora mesmo do jardim da sua linda casa...

E de lá dentro veio um grito do pai da fulana: 

- Seu declamador de merda, vê se vai declamar essa poesia chula e roubar flores em outro canto!

Por pouco não levamos um balde de água na cabeça. Saímos correndo do local e deixamos para trás aquele declamador de araque.

Ezequiel, guitarrista do Emi Eni Sete


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